A dor da criação e a busca pelo equilíbrio

Por Magê + Nor |
 26 de fevereiro de 2019

As coisas são tão mutantes… Quando pequenininhos, à menor suspeita de febre, lá vinha aquele termômetro de vidro. Lembram dele? E quando caia ao chão? O mercúrio se espalhava em um movimento peculiar que parecia se multiplicar e dividir, unir e separar.

Este movimento, pelo olhar da poeta portuguesa Matilde Campilho, é certamente uma das cinco mil explicações possíveis para o amor. Ouvir o seu lindíssimo poema “Fevereiro” é parte obrigatória desta leitura. “Anda, escuta que isto é sério. O mundo está tremendamente esquisito.”

https://www.youtube.com/watch?v=VasLnEWnAxY

Quando ouvimos esse poema tão inspirador, recitado pela própria Matilde, também identificamos traços de três conceitos muito interessantes sobre a simplicidade e a naturalidade, que trazemos ao nosso encontro aqui.

Tudo é impermanente. Estamos falando de que uma inclinação para o nada é implacável e universal, afinal, tudo acaba dando em nada. Tudo se desgasta. Coisas tangíveis e intangíveis: os planetas, a memória, a rocha, os teoremas científicos, acabam enfraquecendo no esquecimento e na inexistência.

Todas as coisas são imperfeitas. Nada que existe é sem imperfeições. É só olharmos bem de perto que veremos as falhas. Quando criamos coisas e colocamos a mão na massa, percebemos muito bem os limites da perfeição.

Todas as coisas estão incompletas. Todas as coisas mesmo, incluindo o próprio universo, estão em um estado constante, um ciclo sem fim, sem previsão para se tornar ou se resolver. Podemos até algumas vezes classificar momentos, pontos ao longo do nosso caminho, como “acabados” ou “completos”. Mas, quando é que o destino de algo finalmente se concretiza? A planta está completa quando ela floresce? Quando espalha as sementes? Quando essas sementes brotam? Quando tudo se transforma em composto? Difícil essa noção de conclusão.

O upcycling é um bom exemplo de que as coisas estão incompletas. A Mirella, da Think Blue resgata o jeans em montanhas de roupas descartadas. Ela evita o desperdício deste tecido potencialmente útil, não considera um resíduo têxtil, mas algo valioso que reduz o consumo de novas matérias-primas para a criação de lindos produtos de sua coleção.

A calça estava completa ao ser descartada? Quando se tornou matéria-prima? Quando esta matéria tomou forma de camisa? Algo indesejado se transformou em um produto de melhor qualidade.

Essas nossas verdades vêm da observação da natureza, e aqui, abrimos mais um parêntese para referenciar um bom e breve livro: “Wabi-sabi for artists, designers, poets & philosophers”, de Leonard Koren (1994). O autor explica muito bem o que esta abrangente visão de mundo à japonesa, o wabi-sabi, representa.

Wabi-sabi é a beleza das coisas que são impermanentes e incompletas. É a beleza de coisas modestas e humildes. É a beleza de coisas não convencionais.

Este sistema estético abrangente ajuda a resolver o nosso dilema artístico sobre como criar coisas bonitas sem nos importarmos com o materialismo desanimador que geralmente envolve tais atos criativos.

Criar dói. A fluidez imperfeita, impermanente e incompleta do mercúrio ao chão é a beleza que dá estrutura e justifica seguir em frente.

O processo criativo que resulta em coisas bonitas (uma inovação bem-sucedida), passa pela exploração de caminhos incertos e desconhecidos e demanda um balanço entre comportamentos fáceis de aceitar e outros um pouco mais duros de realizar:

_ Tolerar o fracasso é fácil: o bom fracasso é o produtivo, aquele que resulta em aprendizado. Mas o que pode doer é ser intolerante à incompetência, identificar e liquidar atos, consequência e mentalidade negligentes, maus hábitos profissionais.

_ Ter disposição para a experimentação é fácil e uma delícia. Mas de nada adianta sem ter a disciplina para saber qual caminho seguir para que a experimentação seja de sucesso, e como utilizar seus resultados rapidamente.

_ Falar abertamente é fácil e libertador. Mas é preciso ter segurança psicológica para ouvir a outra via, o feedback.

_ Ser extremamente colaborativo é fácil. Mas não podemos esquecer de ter responsabilidade individual, de tomar decisões e assumir as consequências, não nos escondendo atrás do consenso.

Enfim, independente de criarmos sozinhos ou em equipe, a dor existe. E estes exemplos comportamentais alertam contra às tendências ao exagero: à perfeição, à permanência, à completude. Ter verdades bem definidas sustenta uma capacidade de entender, superar e buscar o equilíbrio.

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